CACARECOS
CACARECOS
Caixas, tapetes, livros, papéis, roupas, sapatos.
É incrível nossa capacidade de juntar coisas. Mais caixas, uma coruja de bronze, um suporte de livros kitch, uma extensão, outros sapatos. Depois de quase 30 anos trabalhando de forma quase obsessiva e cansada não do trabalho, mas da situação no Brasil, resolvo sair do país e dedicar um período de tempo ao ócio.
Por fim o famoso ano sabático, tão sonhado e idealizado, no entanto muito mais difícil do que se imagina. Nem de longe parecido às fotos postadas por amigos cinquentões bronzeados e barbudos surfando no Hawaí.
Um aparador, tres sofas, cadeiras, tapetes, mesa de centro, outra de canto, quadros e mais livros.
Com o freio de mão puxado desde outubro repito diariamente meu novo mantra:
“o projeto é não ter projeto, o projeto é não ter projeto, o projeto é …”
Tento de alguma forma domar a ansiedade e entender como posso estar sem tempo para nada se aparentemente não tenho nada prá fazer.
Ledo engano.
O projeto de não ter projeto exige planejamento, determinação e outro tipo de trabalho, além de um bom terapeuta de plantão.
Depois de alguns meses fazendo tudo o que vc sempre quis fazer e nunca fez, as férias prolongadas acabam ficando cansativas e então vc entende que, encarar um periodo sabático significa muito mais do que fazer exercício, estudar, pegar a estrada e rever amigos. O tal ano sabático vai cobrar desapego, reflexão e um inevitável olhar interior.
Uma camera Leica, caixas de som, desktop, rolos de fio. cadeiras de pernas prá cima, uma lâmina de vidro contra a parede.
O projeto de não ter projeto é na verdade o grande desafio de desapegar e criar o espaço necessário para um novo inventário.
O que levo comigo daqui prá frente?
Como encontrar novos significados para velhas certezas e cacarecos?
Continuo escrevendo, mas não era isso que eu pretendia escrever. Não agora, sem tempo, em plena mudança e com o laptop sobre uma lamina de papelão que protege a mesa de jantar. Não assim, rodeada de caixas, rolos de tapete e em meio a um delicioso caos pessoal e pré carnavalesco.
Toca a campainha, é o porteiro trazendo o pintor e o eletricista, mas cadê o arquiteto?
Tento me concentrar para produzir um bom texto em vão. Alguém esbarra, mais um vidro se quebra. Tudo bem é só um vaso.